(1900-1934)
Contemporâneo da Semana de Arte Moderna, Ismael Nery, apesar das influências das vanguardas europeias, tais como o cubismo, o expressionismo e o surrealismo, não integrou o grupo modernista brasileiro nos questionamentos e desdobramentos sobre a identidade nacional. Sua poética mais íntima e pessoal passa pela representação e a busca da essência humana, e seu catolicismo fervoroso apresenta o embate com temas sensuais e personalidades híbridas.
Embora não se identificasse formalmente apenas com o surrealismo, soube se apropriar de suas técnicas e conceitos para enriquecer sua própria expressão artística.Nery viveu em uma época em que o movimento surrealista estava ganhando impulso na Europa, e ele entrou em contato com essas ideias, especialmente através de sua amizade com o poeta Murilo Mendes. O surrealismo, que buscava libertar a expressão artística dos grilhões da razão e explorar o inconsciente, encontrou eco no trabalho introspectivo de Nery.
A obra de Nery frequentemente incorpora temas oníricos e místicos, misturando realidade com fantasia, algo central ao surrealismo. Seus autorretratos e figuras humanas são caracterizados por deformações sutis e uma atmosfera de sonho e introspecção. Além disso, suas obras abordavam questões existenciais, espirituais e filosóficas, refletindo suas profundas reflexões pessoais.
Óleo sobre cartão, 74 x 65 x 2,5 cm
Acervo dos Palácios
Na obra Nu no cabide, a figura da mulher é representada de forma multifacetada e sua beleza física também é ressaltada na obra que apesar de fortemente cubista, apresenta sensualidade em seus volumes e detalhes que aparecem e desaparecem sob as vestes vermelhas.
“Trata-se de um nu feminino frontal, que dialoga fortemente com o cubismo, mas com sutis heterodoxias. O braço direito da modelo duplica-se e exibe os pelos nas axilas, mas não basta: as manifestações de volumes na anatomia contrariam a linguagem planar no cubismo, sem fragmentar ou destruir a figura original. Há uma sábia concessão à representação. A imagem feminina está recortada. No alto, uma linha sombria atravessa seu colo até o ombro direito. A sombra é bem desenhada, não borra nada, apenas delineia um limite. Há um maiô vermelho com alças pelos ombros, que se derrama por todo o corpo. E vejam só: não cobrem o seio direito – ele está à mostra, enquanto o esquerdo está coberto e tem sombras acentuadas sobre o maiô. No meio do tórax, a figura é levemente recortada e deslocada. E, abaixo do umbigo, os pelos pubianos formam um verdadeiro biquíni, que na época, nem existia. A perna direita é recebida por um envelope de cor clara muito largo. No lado direito da tela, à esquerda da modelo, é tudo sombrio, toda a luminosidade da pele avermelhada desaparece, e a sombra e o fundo, se assim o posso chamar, são verdes. No uso das cores e do pincel, há discreta conversa com o expressionismo”.
DUARTE, Paulo Sérgio (curador). Ismael Nery: feminino e masculino. São Paulo: MAM: Museu de Arte Moderna, 2018. pp. 11-12.