O Acervo dos Palácios do Governo possui quatro obras de Vicente do Rego Monteiro: “Maternidade Indígena (Madona e o Menino)” (1924), "Nu com Bola Vermelha" (1927), "O Tênis" (1928) e "Natureza-Morta" (1969).
Neste ano de 2024, comemora-se 100 anos da realização da a pintura “Maternidade Indígena (Madona e o Menino)”.
O artista realizou essa obra monumental figurativa contra um fundo infinito, com tons predominantemente terrosos em orientação vertical, enquanto morava na França.
Posicionou frontalmente a figura feminina hierática e geometrizada verticalmente, com interrupções horizontais ao longo de seu corpo, como a junção das mãos, que seguram
uma criança nua também geometrizada e volumétrica. A posição da criança se configura em "x" com os braços e as pernas abertos. Ela remonta a maneira como Vicente dispôs Menino Sentado, feita em 1923.
De temática sacra, as representações são de Maria e o Menino Jesus com feições dos povos originários brasileiros, mas realizadas por meio de uma linguagem plástica volumétrica e escultórica, que remonta aos estudos de Vicente das peças da cultura marajoara, ao mesmo tempo que empresta uma sintetização do estilo Art Déco. Ou seja, trata-se de uma obra ímpar que mistura cristianismo e paganismo, por assim dizer.
Essa mistura de referências põe em relevo as problemáticas conceituais abordadas pela corrente modernista, como a integração de culturas, dos elementos "locais" com aqueles internacionais. Vicente está a par disso tanto por conta da sua rede de sociabilidade no meio artístico parisiense, quanto por seu trânsito em seu país natal. Ele está atento aos debates no estrangeiro, a discussão de temas brasileiros, e especialmente tensão e fusão entre dos conceitos de arcaico e de moderno, tão presente nos anos 1920 na Europa, com o que se convencionou chamar de "Retorno à Ordem".
Como indica a pesquisa de Gênese Andrade (2013, p. 58) o rosto da mãe e lóbulos das orelhas remontam aos índios botocudos. Trata-se de uma forma típica das cerâmicas antropomórficas da ilha de Marajó. No ano em que realizou essa pintura, o artista participa do “Salon des Indépendants” e do “Salon des Tuileries”, além de pintar outras outras com temas sacros como a nova versão de “A Crucifixão”, “As Religiosas”, “A Descida da Cruz”, e “Pietà”.
Maternidade Indígena é uma tela luminosa, totêmica, atemporal e fascinante. Com ela, Vicente, liga tempos, lugares, culturas e crenças e nos faz viajar no tempo e nos interesses desse fascinante artista pernambucano. Vale notar que as produções de Vicente, feitas com empréstimos da linguagem do Art Déco, alinham-se às de outros artistas modernos no Brasil como Victor Brecheret e Antonio Gomide, também representados no acervo dos Palácios.