Exposição São Paulo: Povo, Terra e Trabalho

A Exposição

Vista panorâmica da exposição

Conheça mais sobre a exposição São Paulo: povo, terra e trabalho com a curadora do Acervo dos Palácios Rachel Vallego.

O Palácio dos Bandeirantes tornou-se a sede do Governo do Estado de São Paulo em 1965. Inicialmente projetado para abrigar a Universidade Conde Francisco Matarazzo, o edifício foi adaptado para receber as funções administrativas do Estado, concluído em 1970. Nesse mesmo período também foi inaugurado o Palácio Boa Vista, em Campos do Jordão, e o Governo do Estado decidiu, então, formar uma coleção que refletisse a relevância da arte e cultura brasileiras nestes espaços, abertos à visitação pública.

A formação da coleção se dá num momento de valorização e ressignificação do movimento modernista, que, em meio às comemorações do cinquentenário da Semana de Arte Moderna de 1922 - evento que marcou o cenário artístico-cultural paulista e brasileiro - viu crescer o interesse público-privado na formação de coleções de arte no início da década de 1970.

O Estado de São Paulo investiu, portanto, na aquisição de obras de importantes artistas do modernismo como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Emiliano Di Cavalcanti, Victor Brecheret, entre outros, salvaguardando este importante patrimônio da cultura nacional. Da coleção também fazem parte mobiliários e objetos históricos, em estilo colonial e barroco, que nos ajudam a entender gostos, tradições e formas de viver do povo brasileiro, como louçarias, pratarias e objetos religiosos.

A coleção continuou crescendo com o passar dos anos, por meio de doações, aquisições, transferências e obras comissionadas, como o painel de Antônio Henrique Amaral, “São Paulo- Brasil: criação, expansão e desenvolvimento” (1989), vencedor de um concurso promovido pelo Estado para incentivar a produção artística. A pintura representa a riqueza de nosso país e do Estado Paulista, produzida especialmente para ocupar a parede central do Hall Nobre do Palácio dos Bandeirantes.

A preocupação em preservar a cultura brasileira através da arte e seus objetos vai ganhando forma e institucionaliza-se com a criação do Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo em 1985, departamento responsável pela pesquisa, conservação e divulgação deste importante patrimônio público, reafirmando o compromisso iniciado com a formação da coleção na década de 1970. Duas figuras que merecem destaque nessa consolidação foram a crítica e curadora de arte, Radha Abramo, que esteve à frente da coleção entre 1985 e 1998, estruturando o departamento e dotando-o de forma e missão; e a curadora Ana Cristina Carvalho, entre 2006 e 2022, ampliou sua importância ao inseri-lo no universo dos Museus-Casa, nomenclatura que abarca espaços de arte que têm forte conexão com imóveis de caráter histórico.

Tanto o Palácio dos Bandeirantes como o Palácio Boa Vista podem ser qualificados como Palácios-Museu, que concomitantemente abrigam a função de sede do Governo do Estado e têm vocação histórica, artística e cultural ao se manterem abertos para visitação de suas coleções.

Ao assumir a curadoria do Acervo dos Palácios, encontrei um legado riquíssimo que me cabe dar continuidade e que também precisa estar em sintonia com a contemporaneidade, estabelecendo um diálogo efetivo com a sociedade. A possibilidade de uma nova curadoria para o Hall Nobre do Palácio dos Bandeirantes visa abrir espaço para essas narrativas. Partindo da pintura mais icônica da coleção, “Operários” (1933), de Tarsila do Amaral, que aborda a indústria e os trabalhadores - elementos profundamente simbólicos de São Paulo -, busquei identificar obras que se relacionassem com essas questões, colocando a seguinte pergunta: como o acervo revela e reflete os processos de urbanização e migração?

Na pesquisa surgiram outras obras ímpares que complementam essa história, como “Gasômetro” (2004), de Gregório Gruber, com suas vistas urbanas de uma cidade chuvosa e por vezes sombria, e Aliberto Baroni, “O Descanso” (1960), que nos relembra outras necessidades essenciais da vida em sociedade, como o descanso e o lazer.

Se de um lado apresentamos a cidade, o trabalho e o lazer, do outro buscamos a diversidade da população a partir de “Casal Brasileiro” (2000) de Alex Flemming. A obra cria uma ilusão óptica pelo uso de cores, e precisamos nos deslocar diante das imagens para encontrar o contraste de tons que permite ver as figuras com maior nitidez. Assim é também a constituição da população brasileira, que é composta por diferentes povos e precisa ser vista sob diversos ângulos. São Paulo sempre foi um pólo migratório, recebendo ainda hoje pessoas de todos os lugares em busca de melhores oportunidades de vida e trabalho.

No Hall Nobre, o painel de Antônio Henrique Amaral mencionado está ladeado por duas obras de Clóvis Graciano, que representam a semeadura e a colheita do algodão, relembrando-nos que é da força do campo que vem nosso sustento. Nesse ambiente outras duas paredes foram reservadas para receber os artistas convidados Helô Sanvoy e Aislan Pankararu. Abrimos este espaço para que as novas gerações possam se fazer presentes, pois precisamos ouvir suas vozes, ver com seus olhos e contar suas histórias.

A poética de Helô Sanvoy parte da pesquisa sobre os ciclos econômicos brasileiros, a começar pela extração do pau-brasil. Brasileiro era o nome dado ao trabalhador que retirava a madeira das matas e se tornou também a palavra que nos identifica como um único povo. O sufixo EIRO/A em português denomina atividades de trabalho como costureiro, borracheiro, cozinheira, engenheira. Construído com lascas e tintura de pau-brasil no centro da tela, “EIRO/A” convoca as mais diversas profissões numa construção triangular espelhada que evoca tanto uma pirâmide social quanto uma ampulheta. Vislumbramos algo também sobre a passagem do tempo, que desde a chegada dos primeiros colonizadores nos coloca como trabalhadores pela própria natureza.

A visão cosmogônica de Aislan Pankararu reverbera intensamente nos grafismos e pinturas corporais tradicionais do povo Pankararu, que o artista utiliza em suas composições. De sua formação como médico, vem também a visão do universo micro celular, que vibra intensamente, emanando um brilho próprio.

O fascínio que suas composições causam parece vir dessa combinação que nos atravessa e toca profundamente a sabedoria interna de cada um de nós.

O povo Pankararu imigrou do sertão de Pernambuco para São Paulo seguindo diversas ondas migratórias para sudeste durante as décadas de 1940 e 1950. Chegando aqui, encontraram emprego principalmente na construção civil, trabalhando em grandes projetos como o Parque Ibirapuera, o Estádio do Morumbi e o Palácio dos Bandeirantes. O convite a Aislan Pankararu integrar a exposição surge do desejo de reconhecer e valorizar a contribuição inestimável de todo o seu povo, bem como garantir a presença de suas obras e histórias nos espaços públicos.

“São Paulo, locomotiva da nação” é um jargão popular muitas vezes usado para demonstrar a potência do estado, costumeiramente associado aos parques industriais, à produção agrícola e poderio financeiro. Aqui faço um convite diferente: olhar São Paulo em sua potência cultural e artística. Berço dos mais importantes movimentos artísticos do século XX, como o modernismo, o grupo de pintores italianos do Edifício Santa Helena, o Grupo Seibi de pintores japoneses, o Ateliê Abstração e o grupo Ruptura que se desdobra no abstracionismo geométrico, o abstracionismo informal, ou ainda a Nova Figuração, vertente brasileira da Pop Art, buscamos revelar a potência desse acervo afirmando um caminho diferente, um em que andamos lado a lado e que verdadeiramente englobe todas as cores de São Paulo.

Rachel Vallego
Curadora

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