Exposição São Paulo: Povo, Terra e Trabalho

As Obras

Tarsila do Amaral, uma das mais reconhecidas artistas do Modernismo brasileiro, destaca-se ao retratar em suas pinturas temas locais e cores únicas. Viveu em tempos de profundas transformações sociais, econômicas e políticas no Brasil.

Em 1931, viajou para a União Soviética, onde testemunhou os conflitos da classe operária local, tendo contato com a arte proletária e os cartazes de propaganda política. Ao regressar ao Brasil, sensibilizada com essa experiência, pintou uma das obras que se tornaria um ícone do Modernismo brasileiro, "Operários", comprada pelo Governo do Estado de São Paulo diretamente da artista. Tarsila chamava a obra de "Trabalhadores", dizendo que a tela tinha adquirido uma importância – já naquela época - que ela não esperava.

A composiçãoda tela, em diagonal, apresenta personagens agrupados em forma de pirâmide, que retrata, por meio de diversos rostos da massa de trabalhadores, o crescimento industrial e econômico e a diversidade populacional de São Paulo, suas etnias e imigrantes. Tarsila também representou alguns personagens do seu círculo pessoal: o arquiteto Gregori Warchavchik; a cantora lírica Elsie Houston-Péret; o administrador da fazenda de seu pai, Benedito Sampaio, e a jornalista e escritora paraense Eneida de Moraes.

Foto: Martim Szmick
Obra - Os Operários

Tarsila do Amaral (Capivari/SP, 1886 – São Paulo/SP, 1973).
Operários, 1933.
Óleo sobre tela. 151 x 207 x 3,5 cm

Fotos: Martim Szmick
Obras - Casal brasileiro

Alex Flemming (São Paulo/SP, 1954)
Casal brasileiro, 2000.
Serigrafia e tinta acrílica sobre tela 235 x 154 x 4 cm

Alex Flemming é um artista contemporâneo brasileiro, atualmente residente na Alemanha. Trabalha com diversos suportes numa produção que se aproxima de uma análise autobiográfica, usando muitas vezes imagens fotográficas em serigrafia para fazer suas interferências.

Em 1998, produziu painéis em vidro para a Estação Sumaré do Metrô de São Paulo, onde trechos de poemas de autores brasileiros sobrepõem imagens de pessoas comuns.

Na esteira desse trabalho produz “Casal Brasileiro”, um díptico onde um homem e uma mulher aparecem lado a lado, ora revelados em seus traços étnicos e fisionômicos, ora anônimos protegidos pelo ângulo de incidência da luz na obra. Com pose frontal marcada pelas cores nacionais, números e impressões digitais, a identidade brasileira é pensada e repensada na união entre negros e brancos, numa alusão à cédula de identidade. Entre a identidade pessoal e mais um número na sociedade, a obra propicia múltiplas interpretações.

Clóvis Graciano teve grande influência do muralismo, estilo de arte que se desenvolveu principalmente no México, com obras de temática social cujo objetivo era alcançar maior engajamento e proximidade com o público. Para isso, as pinturas geralmente ocupavam espaços de grande circulação. Candido Portinari também influenciou bastante sua produção, ao abordar o tema do trabalho representando diretamente o trabalhador ao executar as tarefas de seu ofício. A mescla entre essas influências, mais a linguagem pós-impressionista de Cézanne, cubista de Picasso e o realismo das suas experiências acadêmicas formaram seu estilo.

Na obra “Colheita”, o algodão representa a matéria-prima de um dos primeiros setores da industrialização paulista: a área têxtil. O rio corta a cena diagonalmente e o que se vê ao fundo é a imensidão de áreas cultiváveis, preparadas para o plantio e a colheita, mas o tema principal são os camponeses, que são representados no exato momento de colher o algodão. A ênfase está no movimento dos braços, que são representados de maneira geometrizada, e culmina no tratamento realista das mãos, cuja força é notada na estrutura robusta e nodosa das articulações.

Foto: Martim Szmick
Obra - Colheita

Clovis Graciano (Araras/SP, 1907 – São Paulo /SP, 1988)
Colheita, 1959 - Óleo sobre tela.

Foto: Martim Szmick
Obra - Semeadura

Clovis Graciano (Araras/SP, 1907 – São Paulo /SP, 1988)
Semeadura, 1954 - Óleo sobre tela

Clóvis Graciano começou a se interessar pela pintura ainda criança, mas ficando órfão aos 12 anos, começou a trabalhar nos mais humildes ofícios. Essa experiência encheu sua produção posterior de temas ligados ao trabalho e à figura do trabalhador. Graciano participou de importantes grupos de artistas como o Grupo Santa Helena e estudou também no exterior, onde descobriu o muralismo, uma proposta de arte de grandes dimensões, pensada para ocupar paredes na arquitetura e ao ar livre, buscando maior proximidade com o público e abordando temas sociais e históricos.

Na obra “Semeadura”, a paisagem em tons terrosos é retratada de maneira geometrizada, assim como as vestimentas dos trabalhadores, criando uma atmosfera quase irreal para a cena. A força da realidade é percebida no tratamento naturalista dos rostos e corpos dos camponeses, em sua tez escurecida e formas marcadas pelo esforço do trabalho. O solo sulcado foi preparado para receber as sementes que são lançadas. É a promessa de vida, a esperança do plantio, momento crucial da vida no campo.

Foto: Martim Szmick
Obra - Painel São Paulo - Brasil; criação, expansão e desenvolvimento, 1989

Antonio Henrique Amaral (São Paulo/SP, 1935-2015) - São Paulo - Brasil; criação, expansão e desenvolvimento, 1989 - Óleo sobre tela

Artista contemporâneo, Antonio Henrique Amaral especializou-se em pintura, desenho, gravura e também ilustração para jornais. Iniciou sua formação artística na Escola do MASP e estudou com o gravurista Lívio Abramo no MAM-SP. Em meados da década de 1960, sua produção passou a abordar uma temática social, com elementos da gravura popular e da cultura de massa, aproximando-se da arte pop.>

Em 1989, participou do concurso “Painel Bandeirantes”, proposto pelo Governo do Estado de São Paulo, cujo objetivo era escolher para o Hall Nobre do Palácio uma obra que fosse significativa para a história de São Paulo. Antonio Henrique Amaral venceu o certame com a obra “São Paulo - Brasil: criação, expansão e desenvolvimento”. Com influência da tropicalidade e da geometria da fase Pau-Brasil de Tarsila do Amaral, sua tia-avó, Antonio Henrique narrou a história do estado e do país desde a chegada dos portugueses e sua entrada pelos sertões, passando pelos ciclos econômicos do ouro, cana de açúcar e café até chegar ao desenvolvimento das cidades da atualidade. Para além da temática histórica, o artista manteve sempre o verde, enfatizando a urgência e a necessidade do respeito à natureza e a preservação do meio ambiente.

Helô Sanvoy é um artista goiano residente em São Paulo. Estudou Artes Visuais na Universidade Federal de Goiânia e formou-se mestre em Poéticas Visuais pela Universidade de São Paulo. Sua produção busca a experimentação e a junção de materiais diversos, como também o estudo de processos, linguagens e suportes. Em 2023 foi ganhador do Prêmio PIPA e do prêmio ABCA de artista destaque do Centro-Oeste. Participou de exposições em São Paulo (Sesc Belenzinho, Centro Cultural Banco do Brasil e Paço das Artes), Rio de Janeiro (Paço Imperial e Museu de Arte do Rio - MAR), Goiânia (Museu de Arte Contemporânea de Goiás), Salvador (Museu de Arte da Bahia) e Minas Gerais (Instituto Inhotim), além de Portugal, Argentina, Londres e da Bienal do Mercosul.

A poética de Helô Sanvoy parte da pesquisa sobre os ciclos econômicos brasileiros, a começar pela extração do pau-Brasil. Brasileiro era o nome dado ao trabalhador que retirava a madeira das matas. O sufixo EIRO/A em português denomina atividades de trabalho, como costureiro, borracheiro, cozinheira, engenheira, entre outras. Ao construir uma pirâmide social que simultaneamente parece uma ampulheta, vislumbramos algo também sobre a passagem do tempo: desde a chegada dos primeiros colonizadores, somos trabalhadores pela própria natureza. Essa natureza que nos vem pelo primeiro trabalhador que extraía o pau-Brasil, o brasileiro, é representada na obra pelo uso de lascas e do pigmento do pau-brasil na construção da palavra central.

A pirâmide pode ainda fazer referência à icônica obra “Operários” de Tarsila do Amaral, também pertencente ao Acervo dos Palácios, onde os rostos dos trabalhadores formam a estrutura piramidal da sociedade. A pirâmide na base da obra reproduz a pirâmide social tal qual ela existe: embaixo, estão os trabalhadores menos remunerados, porém muito mais numerosos, dando sustentação à estrutura do restante da pirâmide. Porém, na parte de cima, a situação se inverte e estes mesmos trabalhadores aparecem no topo sobre os trabalhadores mais abastados.

Foto: Divulgação / Acervo
Obra de Helô Sanvoy

Helô Sanvoy (Goiânia/GO - 1985)
Eiro, 2024 - Pó e lascas de pau-brasil, cera de abelha, carvão e lona de algodão cru
Coleção do artista

Obra - Sensação de existência

Aislan Pankararu (Petrolândia/PE, 1990)
Sensação de existência, 2024
Acrílica e argila sobre tela de linho cru
Coleção do artista

Aislan Pankararu é um artista plástico contemporâneo da etnia indígena Pankararu, uma população originária de Pernambuco, que migrou para São Paulo entre as décadas de 1940 e 1970. Trabalhando na construção civil, seus membros, que fixaram habitação na comunidade do Real Parque, foram responsáveis pela construção do Parque Ibirapuera, do Estádio do Morumbi e do Palácio dos Bandeirantes.

Aislan não participou desse movimento diretamente. De Petrolândia, mudou-se para Brasília, onde se formou em medicina. Em 2019, retomou a prática de desenho e pintura como autodidata e decidiu se dedicar à carreira artística. Desde então, já participou de importantes exposições no Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), Museu do Amanhã (RJ) Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), Centro Cultural São Paulo (CCSP), e Instituto Inhotim, entre outros.

Sua produção usa elementos pictóricos tradicionais da pintura corporal Pankararu, onde a cor branca cria o desenho sobre o corpo. As formas dotadas de movimento e profusão de detalhes evocam a riqueza visual e simbólica dos Pankararu a fim de ressaltar a luta e resistência de seu povo. Na obra “Sensação de Existência” a sobreposição de formas circulares em múltiplos padrões também revela inspiração na estrutura celular do corpo. O microcosmo humano funde-se ao macrocosmo universal.

O convite a Aislan Pankararu integrar a exposição “São Paulo: povo, terra e trabalho” surge do desejo de reconhecer e valorizar a contribuição inestimável de todos os Pankararu que estiveram envolvidos na construção do Palácio dos Bandeirantes, bem como garantir a presença de sua cultura e de toda população indígena em espaços culturais, públicos e de poder.

Tico Canato é um artista visual formado em Propaganda e Marketing. Em sua carreira trabalhou como designer para agências e também no mercado de moda, criando estampas para marcas de vestuário. Morou um período Estados Unidos e desenvolveu sua técnica em grafitti, desenho e pintura, tendo realizado exposições em Miami, Nova York, Alemanha, Espanha e Peru. Hoje também promove um trabalho social com crianças e adolescentes em comunidades da cidade de São Paulo.

Iniciou sua carreira com arte urbana utilizando em suas obras distorções da figura humana. Seus personagens, chamados de “Ondi” são apresentados exibindo de maneira intensa sua estrutura óssea, assemelhando-se a caveiras. Ao reduzir os corpos à sua estrutura, elimina as diferenças, criando uma grande comunidade igualitária de “Ondis”. Apesar do tema ter forte carga simbólica e associação com a finitude da vida; a silhueta e fisionomia dos personagens, com olhos pequenos brilhantes e dentes proeminentes, geram empatia no observador. A ambientação e a esfera mágica das composições criam a perspectiva de mundos imaginários e cenários distópicos, mas revelam estreita aproximação com a realidade das periferias das diferentes regiões da cidade, sua estética, gírias, lemas e modos.

Na obra “Cotidiano”, o personagem da periferia carrega na cabeça suas origens, sua casa, mas “enterrou o peso morto” de seu passado, representado pela pá. O movimento, a luta e a esperança aparecem nas frases espalhadas na composição como “aprenda a sonhar”, “fábrica de sonhos”, “25 horas por dia” e “uma fé por dia”.

Foto: Divulgação / Acervo
Obra - Cotidiano

Tico Canato (Rafael Canato) (Santo André/SP, 1983).
Cotidiano, 2024. Técnica mista.
Coleção do artista.