Curadoria
Ileana Pradilla Ceron
e Miguel Del Castillo

foto - Autoretrato Stefania Bril

Autorretrato, c. 1971
Acervo Instituto Moreira Salles / Arquivo Stefania Bril

Stefania Bril nasceu em Gdansk, na atual Polônia, e viveu a infância e adolescência em Varsóvia. Ao lado de seus pais, sobreviveu ao Holocausto, adotando uma identidade falsa e contando com a ajuda de organizações da resistência. Ao término da guerra, já casada, mudou-se para a Bélgica, onde se graduou em Química. Em 1950, Stefania e o marido migraram para o Brasil. Residindo em São Paulo, trabalhou com pesquisas nas áreas de bioquímica e química nuclear. Sua atuação na fotografia começou relativamente tarde, aos 47 anos, quando se matriculou na escola Enfoco. Após aprender o ofício, dedicou-se a fotografar com intensidade na década de 1970, produzindo especialmente ensaios.

No fim dos anos 1970, passou também a atuar como crítica e curadora. Foi a primeira pessoa a assinar como crítica de fotografia na imprensa brasileira, escrevendo por mais de uma década no jornal O Estado de S.Paulo e na revista Iris Foto. Em suas colunas analisou boa parte da produção fotográfica brasileira e internacional apresentada em São Paulo nos anos 1980. Stefania organizou ainda os primeiros festivais de fotografia no Brasil, os Encontros de Campos do Jordão, em 1978 e 1979, e concebeu a Casa da Fotografia Fuji, primeiro centro cultural em São Paulo voltado exclusivamente para o ensino e a divulgação da fotografia, que coordenou de 1990 a 1992.

O acervo de Stefania Bril inclui sua obra fotográfica, sua produção como crítica e sua biblioteca. A coleção foi adquirida pelo IMS em duas etapas: a primeira em 2001 e a segunda em 2012. O arquivo possui aproximadamente 15.000 imagens entre ampliações de época, negativos e cromos, além de farta documentação textual.

Stefania Ferszt nasceu em Gdansk, Polônia, em 25 de agosto de 1922, filha de Felicia Oppenheim e de Jakub Ferszt. Morou desde pequena na capital, Varsóvia.

Em 1 de setembro de 1939, a invasão nazista da Polônia marcou o início da Segunda Guerra Mundial. Como estratégia de sobrevivência, os Ferszt utilizaram identidades católicas falsas.

A entrada do exército russo em Varsóvia, em janeiro de 1945, assinalou o fim da ocupação nazista. Os Ferzst partiram para Lublin, onde Stefania escreveu crônicas para a rádio local. Pouco depois, a família mudou-se para Lodz, onde Stefania começou a cursar psicologia. Na cidade, conheceu Kazimierz Józef Bril, também judeu sobrevivente, com quem se casou em 5 de agosto.

Em 1946, Stefania retomou formalmente sua identidade judia. As incertezas em relação ao futuro na Polônia levaram as famílias Ferszt e Bril a deixarem o país com destino à Bélgica. Graças a uma bolsa de estudos, Stefania e Kazimierz ingressaram no curso de química na Universidade Livre de Bruxelas. Ela nunca mais retornaria ao seu país natal.

A Guerra Fria reacendeu a tensão na Europa. O casal recém-formado decidiu migrar para o Brasil, onde já residia a família Ferszt. Stefania e Kazimierz desembarcaram em Santos em novembro de 1950.

Já na cidade de São Paulo, em 1951, Stefania ingressou no Laboratório Endoquímica para trabalhar com o bioquímico alemão Karl Heinrich Slotta – descobridor do hormônio feminino da progesterona – na pesquisa sobre a origem e a cura do vitiligo.

Em 13 de setembro de 1953, nasceu Michele-Annie, primeira filha do casal Bril.

Após seu desligamento da Endoquímica, Stefania trabalhou com seu marido na Orquima S.A., em pesquisas sobre química nuclear. Antes de interromper sua colaboração com a empresa, em 1962, publicou o trabalho Óxidos cerâmicos, sobre o uso desse material como combustível atômico.

Sua segunda filha, Jacqueline Helène, nasceu em 19 de novembro de 1961. A família Bril passou a frequentar Campos do Jordão (SP) com assiduidade a partir de 1965. Em seu apartamento, no edifício Sans-Souci, Stefania criou uma incubadora de tulipas e jacintos. Do desejo de registrar as flores, nasceu seu interesse pela fotografia.

Em 1969, ingressou na Enfoco – Escola de Fotografia, fundada no ano anterior por Cláudio Kubrusly.

Por um curto período, em 1970, sob o nome fantasia de Foto Objetiva, buscou se estabelecer como fotógrafa de retratos e fotos artísticas. Nesse ano, começou a participar de mostras coletivas e realizou sua primeira individual, Bate foto, no Casarão do Clube Hípico de Santo Amaro.

Em junho de 1971, inaugurou individual na galeria Alberto Bonfiglioli, na capital paulista, onde apresentou retratos e flagrantes das ruas da cidade. Em julho, durante o II Festival de Inverno de Campos do Jordão, realizou mostra individual. No ano seguinte, sua exposição com imagens da série As mãos, no showroom da Fotoptica, recebeu o troféu Fotoptica.

Em 1973, atuou como relações públicas da Photogaleria, associação de fotógrafos brasileiros em busca da ampliação de espaços para exposição e comercialização de suas fotos.

Em abril de 1974 integrou a exposição 7 artistas de São Paulo, no Centro Municipal de Cultura, comemorativa do primeiro centenário de Campos do Jordão. Em dezembro, lançou seu primeiro livro, Entre, com apresentação de Boris Kossoy e poemas de Olney Krüse.

No ano seguinte, dedicou sua mostra individual Flagrantes paulistas e estrangeiros, no showroom da Fotoptica, a Cartier-Bresson, com quem dizia partilhar a “fotografia de calçada”. Ainda em 1975, participou da Sala de Fotografia, que teve um segmento específico na 13ª Bienal Internacional de São Paulo.

Entre maio e junho de 1976, visitou Israel. As fotos realizadas nas ruas de Jerusalém, Belém e Tel Aviv foram apresentadas na exposição Israel-gente, na galeria Atualidades da Hebraica, em São Paulo.

Em 1977, exibiu imagens de suas viagens por Holanda, França e Israel na galeria Alberto Bonfiglioli e no Centro de Convivência em Campinas. Foram as últimas mostras individuais idealizadas pela fotógrafa.

Em 1978, organizou o I Encontro Fotográfico em Campos de Jordão, festival sem precedentes no país, com o objetivo de formar um núcleo dedicado ao estudo e à difusão da cultura fotográfica. O evento teve uma segunda edição ampliada, no ano seguinte, mas, sem apoio financeiro, não teve continuidade.

Em setembro de 1978, publicou seu primeiro artigo sobre fotografia, no suplemento cultural do jornal O Estado de S. Paulo. Nessa colaboração, que perdurou até 1991, Stefania assumiu a função de crítica de fotografia do jornal.

Embora não tivesse deixado de fotografar, a crítica e a curadoria se tornaram suas principais atividades.

Em 1981, foi publicado A arte do caminhão, livro com fotografias de Stefania e Bob Wolfenson.

Tornou-se colaboradora da revista Iris, em 1982, publicando sua coluna “Notas” e outros artigos sobre fotografia regularmente até 1991.

Ao lado de Luce-Marie Albigès, em 1983, coordenou a exposição Brésil des Brésiliens na Biblioteca do Centro Georges Pompidou, em Paris. Primeira experiência curatorial de Stefania, a mostra buscava apresentar imagens do país desprovidas dos estereótipos atribuídos ao Brasil pelos europeus.

Em 1987, lançou o livro Notas: vinte e nove mestres da fotografia, prefaciado por Pietro Maria Bardi, com uma seleção de seus textos publicados na Iris.

Em agosto de 1990, inaugurou a Casa da Fotografia Fuji, em São Paulo, projeto idealizado há tempos por Stefania para ser um ponto de encontro, difusão e formação de fotógrafos e interessados na cultura imagética. Foi uma das fundadoras do coletivo Nafoto – Núcleo de Amigos da Fotografia.

Participou, em Paris, do encontro de críticos e fotógrafos Les Rendez-Vous de l’Image, a convite do festival Mois de la Photo.

Em 1992, colaborou com os organizadores da Fotofest em Houston, EUA, na seleção dos representantes brasileiros do evento. Desligou-se da Casa Fuji em abril, por divergências quanto aos rumos do projeto original.

Em 21 de setembro, faleceu em decorrência de uma hepatite fulminante.

Stefania recebeu diversas homenagens póstumas. Em novembro de 1992, a sétima edição do Mois de la Photo, em Paris, dedicou o evento a Stefania Bril e a Alain Dupuis, diretor geral da agência Sygma.

A Casa da Fotografia Fuji e a Fujifilm organizaram, em julho do ano seguinte, Viva a vida, mostra antológica de sua carreira. Por ter sido uma das idealizadoras do evento, o coletivo Nafoto dedicou-lhe o Mês Internacional da Fotografia em São Paulo.

Em 1994, o Festival Fotofest, em Houston, homenageou Stefania por seu trabalho na promoção da fotografia.

Parte do seu arquivo pessoal foi adquirido pelo Instituto Moreira Salles em 2001. Sua biblioteca e outra parcela do arquivo foram incorporadas ao acervo do IMS em 2012. Com a abertura do IMS Paulista, em 2017, a coleção bibliográfica foi transferida para a nova Biblioteca de Fotografia.

Em 2024, o IMS apresentou a individual Stefania Bril: desobediência pelo afeto, com curadoria de Ileana Pradilla Ceron e Miguel Del Castillo.

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