Curadoria
Ileana Pradilla Ceron
e Miguel Del Castillo

Foto - O menino batuca, Campos do Jordão, 1972

O menino batuca, Campos do Jordão, 1972
Acervo Instituto Moreira Salles / Arquivo Stefania Bril

No fim da década de 1960, alguns anos após chegar ao Brasil, a judia polonesa Stefania Bril (Gdansk, 1922 - São Paulo, SP, 1992) se encontrou com Campos do Jordão – e com a fotografia. No apartamento que adquirira na cidade, no recém-construído Edifício Sans-Souci, cultivou tulipas e jacintos, e foi a vontade de registrar essas flores que a levou a experimentar a fotografia como linguagem expressiva. Após sobreviver ao Holocausto na Europa em guerra, trabalhar nas indústrias bioquímica e nuclear em São Paulo e criar suas duas filhas, foi na fotografia – e, em parte, em Campos – que ela se reinventou.

Neste recorte de sua obra fotográfica, destacamos a presença da cidade serrana em sua produção. Essa Campos do Jordão dos anos 1970, quase irreconhecível para os olhos apressados e forasteiros de hoje, é concebida pelas lentes de Stefania como um lugar de vínculos e de pertencimento, uma comunidade viva. Como em muitas outras fotos que fez, essas imagens revelam situações cotidianas dos moradores – as oficinas para jovens no Frei Orestes, o Mercado Municipal com seus comerciantes e fregueses e outros –, mas também o olhar afetivo de alguém que, como ela mesma dizia, usava a câmera para construir pontes.

Foto - Sr. Eduardo e dona Egydia Salles, Campos do Jordão, outubro de 1970

Sr. Eduardo e dona Egydia Salles, Campos do Jordão, outubro de 1970
Acervo Instituto Moreira Salles / Arquivo Stefania Bril

Em uma sala dedicada, os retratos ganham força e autonomia: os habitantes de Campos do Jordão nos encaram com dignidade e presença. Neles, há uma predominância intencional de pessoas do povo e de grupos tradicionalmente minorizados – e que incluem indivíduos queridos e admirados publicamente, como Maria Miné, Jorge lenheiro e o casal Eduardo e Egydia Salles. A seguir, pelos corredores, a vida citadina documentada por Bril se espalha, dialogando também com obras do Acervo dos Palácios. O humor e a percepção do cotidiano como espaço de resistência e de preservação da vida estão impregnados em todas essas imagens.

Foi também em Campos do Jordão que Stefania organizou o primeiro festival de fotografia a ocorrer no Brasil, os Encontros Fotográficos, em 1978 e 1979, inspirados nos Rencontres d’Arles – apostando na cidade como local central na formação e difusão da cultura fotográfica no país. O projeto, que envolvia a construção de um núcleo permanente de fotografia e uma biblioteca pública dedicada a essa linguagem, só não foi mais duradouro por falta de apoio.

Foto - Sebastião Pereira de Macedo, jardineiro, Campos do Jordão, janeiro de 1974

Sebastião Pereira de Macedo, jardineiro, Campos do Jordão, janeiro de 1974
Acervo Instituto Moreira Salles / Arquivo Stefania Bril

Mas o papel de Stefania Bril na construção de um lugar para a fotografia no país só se ampliaria depois disso. Como curadora, crítica e pensadora, teve papel de destaque ao assinar regularmente textos em O Estado de S. Paulo e na revista Iris Foto, por toda a década de 1980, e movimentou o circuito, criando diversos eventos e exposições e, ao fim, dirigindo um importante centro cultural, a Casa da Fotografia Fuji, na capital paulistana. Seu projeto era sobretudo pedagógico, pois buscava uma alfabetização visual para um público amplo, estimulando visões críticas e trocas.

Sua breve, porém intensa obra fotográfica (são cerca de 11 mil fotogramas, produzidos entre 1969 e 1980), ao lado do arquivo com sua atuação como crítica, curadora e articuladora cultural, integram o acervo do Instituto Moreira Salles, coorganizador desta mostra.

Ileana Pradilla Ceron e Miguel Del Castillo, curadores

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