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Zonas de Contato – Pinturas de Pacientes-Artistas do Juquery

Histórico de exposições permanentes, temporárias e itinerantes

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Zonas de Contato – Pinturas de Pacientes-Artistas do Juquery
Palácio do Horto, de 30 de janeiro a 13 de junho de 2010

O Palácio do Horto acolhe, em seus ambientes, mais de 50 pinturas que pertencem ao acervo do Museu Osório César, fundado em 1985 e atualmente extinto, parte do Complexo Hospitalar do Juquery, no município de Franco da Rocha, em São Paulo.

Os pacientes-artistas do Juquery iniciaram seus trabalhos artísticos na década de 1920, orientados pelas pesquisas e pelo trabalho terapêutico do psiquiatra Osório César – também crítico de arte e especialmente interessado no desenvolvimento da arte terapia, que chegou ao Juquery na condição de estudante em 1923 e onde, mais tarde, na década de 1940, funda a Escola Livre de Artes Plásticas do Juquery. Pacientes, mas, antes de tudo, verdadeiros talentos artísticos, foram estimulados e influenciados pelas lições de modernidade dadas nas oficinas de alguns artistas da época, no Juquery, a convite de Osório César, como, por exemplo, Maria Leontina e Lasar Segall, entre outros.

Nos anos 1950, Osório César promoveu muitas exposições dos pacientes-artistas do Juquery tanto em Paris, França, como em São Paulo, no MAM (Museu de Arte Moderna) e no CAM (Clubinho dos Artistas e Amigos da Arte). Desde então, a arte produzida pelos pacientes-artistas do Juquery já foi considerada “Arte Incomum” na XVI Bienal de São Paulo, em 1981; logo depois, em 1987, o MAC-USP reúne mais de 100 gravuras, desenhos, pinturas e esculturas na exposição intitulada “Arte e Loucura: Limites do Imprevisível”. Quase dez anos depois, o SESC Pompéia sedia a exposição “Juquery: Encontros com a Arte”, e, nos anos de 2000 e 2002, duas exposições colocam a arte do Juquery no contexto do inconsciente: a “Mostra do Redescobrimento”, na Bienal de São Paulo, e a “Arte e Inconsciente: Três Visões sobre o Juquery”, no Instituto Moreira Salles.

De “Arte e Expressão como Caminho”, em 2003, no SESC São Carlos, à exposição “Zonas de Contato”, no Palácio do Horto, em 2010, as obras exibidas denunciam a falta de intencionalidade, mas que, apesar disso, mostram a mesma preocupação de equilíbrio estético buscada pelos artistas convencionais, por mais paradoxal que pareça ser.

Os trabalhos aqui reunidos, em sua maioria inéditos, têm a intenção de valorizar o legado artístico desse período da história do centenário Juquery, revelando, por meio de obras de dois pacientes-artistas, Aurora Cursino dos Santos e Ioitiro Akaba, a fantástica qualidade artística, que pode ser comparada a de muitos dos grandes artistas de sua geração.

A exposição começa contextualizando o cenário do Hospital do Juquery por meio dos desenhos de um dos pacientes-artistas, o italiano Magon, cujo interesse em arquitetura possibilitou a interpretação dos projetos com proporções e realismo e rendeu-lhe o posterior trabalho como chefe do serviço de ergoterapia junto aos arquitetos quando recebeu alta do hospital.

Assim, “Zonas de Contato” vem possibilitar um enfoque do ponto de vista artístico, procurando identificar associações e relações com as transformações estéticas da arte moderna. Nesse sentido, a criatividade dos artistas Ioitiro e Aurora, com linguagens e poéticas culturais tão distantes e opostas, aproxima-se no cromatismo intenso próprio das vanguardas artísticas do início do século XX. Aurora, por meio de composições com matizes fortes e intensos, coloca a figura humana como tema central, sendo o retrato sempre o centro de seu universo pictórico. Já a figura humana na obra de Ioitiro é sempre coadjuvante no espaço pictórico e parte da paisagem e de uma história que ele conta com detalhes: a viagem, o encontro entre as culturas do Oriente e Ocidente, o lazer, o trabalho, a família e a casa. Uma pintura alegre e solta na qual a cor é forma e remete, muitas vezes, às poéticas do artista francês Matisse (1869-1954) e dos artistas da Escola de Paris. A organização espacial da pintura de Ioitiro é muito bem resolvida, com uma racionalidade muito evidenciada em obras as quais ele mesmo denomina “estudos”, o que mostra que havia um projeto, parte do processo criativo.

Perfeitamente organizados do ponto de vista estético, esses pacientes-artistas fogem à regra da integração da percepção do interior (inconsciente) e do exterior (a realidade). Em seus processos criativos, além das imagens do inconsciente, utilizam-se de zonas preservadas de contato com a realidade. Entre a fantasia e os dados da realidade, há a lógica da técnica do desenho, da perspectiva – mesmo que seja sonhada –, o cuidado com a fatura, as pinceladas e o domínio da cor e da luz, intuitivamente. Essas chamadas “zonas de contato” traduzem-se em janelas coloridas de passagem para o mundo, para encontrar, quem sabe, um outro universo.

Sejam realistas, românticas ou expressionistas, trazem essas obras (uma pequena parte dentre os 6.000 trabalhos que pertencem ao Juquery) múltiplos significados, grande carga simbólica e amplos canais de comunicação. Permitem pontes, caminhos, atalhos e luzes na escuridão.

Ana Cristina Carvalho
Curadora do Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo